Num artigo publicado no jornal Diário Económico online intitulado a «Democracia pós-partidária», no passado dia 03 de Março, que abaixo transcrevemos na integra, José Reis dos Santos, fazendo partir a sua análise dos recentes acontecimentos no Médio Oriente, avança com uma reflexão sobre as consequências e as ilações a retirar sobre a emergência de um novo paradigma cívico naquela área do globo, que aliás começa a ter paralelos ou reflexos no mundo ocidental, nomeadamente no nosso país.
Pegando em alguns excertos desse texto, se após o 25 de Abril a participação política era exclusivamente possível através da iniciativa partidária, o decorrer dos tempos transformou progressivamente «os partidos de instituições de representação de interesses sociais em instituições de representação de interesses próprios», o que levou a uma «progressiva alienação dos cidadãos da actividade partidária e à incapacidade de regeneração dos partidos»
Eis então que o autor termina com uma reflexão-questão da máxima importância, pela qual Os Amigos do Forte se têm batido ao nível local, ao assistir à agonia do sistema de representação local e ao quase completo desligamento reciproco dos governantes e governados no que aos assuntos da comunidade diz respeito:
«Como envolver os cidadãos na actividade política quotidiana, num cenário em que os partidos se encontram desacreditados e quando as novas fórmulas de organização social dispensam intermediários na relação entre a cidadania e a política»?
É caso para dizer, há cada vez mais gente a pensar como nós!
Jorge Portijo
Transcrição de artigo:
«Os recentes acontecimentos no mundo árabe têm-nos transportado para uma interessante reflexão sobre o papel dos partidos no actual panorama político.
Isto porque muitos dos movimentos de contestação têm sido organizados e difundidos através de redes sociais, como o Facebook ou o Twitter.
Como já aqui referimos, este tipo de movimentos sociais fora da esfera partidária não são novos, por si, bastando recordarmos o nosso processo de transição. No caso português, o processo de constitucionalização institucionalizou muitos destes actores (individuais e colectivos), que aderiram ou formaram partidos, tendo a Constituição consagrado depois a participação política exclusivamente através de partidos políticos.
Tal solução, rectificada posteriormente no caso das eleições autárquicas, permitiu a estabilidade do regime, mas também alienou outras formas de participação politica activa fora do espectro partidário. Ao mesmo tempo, construiu uma elite partidária demasiado agarrada às oportunidades que o sistema providenciava - em especial na sua dimensão autárquica -, preocupando-se os principais partidos em defenderem a conquista do aparelho do Estado, construindo sucessivas redes clientelares alimentadas pelas elites intermédias das máquinas partidárias. Este processo de sedimentação do sistema de partidos criou, então, uma nova elite administrativa, e transformou os partidos de instituições de representação de interesses sociais em instituições de representação de interesses próprios.
Infelizmente, tamanha partidarização do sistema tem levado, nas democracias ocidentais, a uma progressiva alienação dos cidadãos da actividade partidária e à incapacidade de regeneração dos partidos, que hoje não só não conseguem, genuinamente, atrair novos militantes, como promover debate interno efectivo ou consagrar modelos de democracia interna participados.
Como reacção, a sociedade civil, cada vez mais politicamente educada, informada e com vontade de participar na vida da Polis, tem-se organizado em torno de novos movimentos sociais. Fenómeno, repetimos, não novo por si, mas com novas condicionantes comunicacionais e ferramentas organizativas que permitem constatar que as características desta nova "cultura política pós-partidária tecnologicamente desenvolvida" necessitam de ser levadas em consideração pelo sistema, se este procurar continuar a ser significativo, a querer reflectir a vontade dos seus cidadãos e a lhes permitir intervir fora dos ciclos eleitorais.
É esta, então, a reflexão que sugiro: como envolver os cidadãos na actividade política quotidiana, num cenário em que os partidos se encontram desacreditados e quando as novas fórmulas de organização social dispensam intermediários na relação entre a cidadania e a política. Não acredito que estejamos, já, preparados para questionarmos o papel dos partidos na organização dos sistemas políticos contemporâneos, mas creio que é urgente rever o seu papel hegemónico na organização das nossas sociedades e de lhes injectar nova vitalidade».