segunda-feira, 13 de julho de 2009

Debate sobre o projecto urbanístico: "Nova Vila Franca"

Decorreu no passado dia 9 de Julho de 2009, pelas 21 horas, na sede do Clube Vilafraquense, um interessante e importante debate sobre o projecto urbanístico "Nova Vila Franca" - polémica operação de loteamento da responsabilidade da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira -, promovido pelo movimento cívico XIRADANIA.
Este evento surge na sequência de outro realizado no ano transacto sobre o mesmo tema, que contou na altura com duas figuras de relevo da nossa praça: o arquitecto Ribeiro Telles e a socióloga Luísa Schmidt.

A sala bem composta, por munícipes e interessados nestas matérias, assistiu a um enquadramento alargado da problemática e exposição crítica das questões-chave por parte do arquitecto Rui Perdigão (membro dos XIRADANIA) e, depois, a um elevadíssimo contributo da arquitecta Helena Roseta (convidada especial deste evento) que, mesmo desconhecendo ao pormenor todas as questões que enredam este processo em concreto, não se coibiu em brindar os presentes com uma exposição crítica sobre o tema, amplamente sustentada na sua larga experiência, sensibilidade técnica e posicionamento cívico sobre a forma como estas questões estruturantes devem ser abordadas pelas autarquias deste país.

O arquitecto Rui Perdigão (Xiradania), começou por referir que o PDM (ainda em vigor) classifica a zona alvo como "área de uso diversificado", destinada a lazer, ao desporto e a barcos de recreio. Inicialmente "formatado" como "plano pormenor", este projecto foi liminarmente chumbado por diversos organismos da Administração Central tendo-o, de forma a contornar pareceres negativos destes organismos, a CMVFX transformado em "operação de loteamento".

Entre outras críticas este arquitecto referiu que o projecto:
  • se realizará em zona sujeita a cheia (como são exemplo aquelas que aconteceram nas décadas de 70, 80 e 90);
  • prevê a criação de 1.966 fogos, o que equivale a dizer que serão cerca de 6.000 novos habitantes;
  • não prevê a preservação e enquadramento do património histórico existente ali e nas imediações;
  • prevê a deslocalização da sede da CMVFX e do Tribunal para aquela zona, quebrando assim a cidade ao meio e afastando o centro do núcleo histórico;
  • não obedece a regras básicas de cuidado ao nível do ordenamento e arquitectura (ruas principais paralelas ao rio e perpendiculares a "esbarrar" num muro constituído por edifícios; ruas sem ligação);
  • não prevê a construção de equipamentos sociais de suporte às populações que ali poderão fixar residência;
  • acondiciona, literalmente, junto ao rio e longe do centro da urbanização o espaço obrigatoriamente destinado à construção de espaços de uso comunitário, quando esse espaço deveria ser distribuído uniformemente e em condições de ser utilizado pelas pessoas.
Por sua vez, a arquitecta Helena Roseta começou por falar nas importantes fortunas que se fazem com a simples conversão de um solo rural ou florestal em solo urbano (no qual se pode construir), afirmou ainda que "fazer cidade cria valor". Depois focou o problema da hierarquia dos planos de ordenamento do território, destacando que por força das contingências os PDM’s surgiram primeiro do que os planos de ordem superior (nacional e regionais) e só à posteriori se tem vindo a corrigir a integração e coordenação em cascata destes planos.

Depois, referindo-se à construção em leito de cheia, destacou que "a construção nestas áreas é grave, é perigosa, atenta contra a vida as pessoas e existe mesmo um sério risco de vida para as pessoas que vivem nestas áreas".
Adiantou ainda que este problema (a opção da CMVFX de avançar com esta nova urbanização) nasceu com a criação do PDM em vigor e não agora (há cerca de 15 anos). Foi nessa altura que se criaram condições especiais para que se construísse naquela zona.
Na linha do que o orador antecedente defendeu, disse ainda que o projecto se "trata de uma duplicação da cidade, em que os espaços públicos e de lazer ficam distantes do contexto urbano. (...) Nasce uma nova cidade e o resto? E as restantes infra-estruturas? Como é que uma pessoa só, num único gesto, pode duplicar a população uma cidade? Há toda uma história e uma experiência de cada terra que não podem ser ignoradas?

Considera que "as pessoas devem ser ouvidas e devem participar na construção da cidade, e aqui os movimentos de cidadãos têm um papel fundamental, como têm na área do respeito pelo património e ambiente", e outrossim, que "é preciso cada vez mais imprimir uma atitude de transparência, imparcialidade e participação dos interessados/visados das políticas, tendo estes como principais armas o recurso aos tribunais e o escrutínio nas urnas".

Citando aquilo que o Jornal Mirante escreve na sua página online (do dia 12 de Julho), "a arquitecta suscitou a possibilidade de todos os actos que permitiram o planeamento daquele urbanização após 1998 serem nulos. Em causa está o facto de um decreto do Governo (n.º 364/98) garantir a nulidade dos actos administrativos que permitam construções em leito de cheia. O problema não está na falta de legislação mas na eficiência com que é aplicada, sublinhou Helena Roseta. E a nulidade nunca prescreve, acrescentou".

Após estas intervenções, foi chegada a vez de passar a palavra aos presentes, com intervenções inflamadas e pertinentes, das quais destacamos aquelas que nos pareceram mais sustentadas: dos cidadãos António Infante e Fernando Carvalho. O primeiro interveniente, conhecedor profundo das recambulescas formas como o poder local tem tratado o território concelhio, na linha daquilo que tinha sido apontado pelo oradores, sublinhou a forma criminosa como se tem construído no concelho de Vila Franca de Xira, informou os presentes da existência de um relatório preliminar sobre este projecto, datado da década de 90, de uma técnica do INAG que rejeitava liminarmente qualquer tipo de construção naquele local, que tem vindo a ser progressivamente esquecido face ao ímpeto do lobby pro "Nova Vila Franca". Aproveitou ainda para denunciar situações semelhantes que estão a ocorrer noutras zonas, também elas classificadas como "área de uso diversificado", nomeadamente na Póvoa de Sta Iria e Alverca (verdadeiros atentados contra o território e pessoas).

Por seu turno, Fernando Carvalho destacou neste âmbito duas questões que considera fracturantes. Por um lado, a questão urbanística. A cidade de Vila Franca de Xira é tida como um subúrbio, vive no seio da especulação imobiliária sendo, um pouco no sentido inverso do que acontece(u) por essa Europa, importante proceder a uma mudança de paradigma. Há que regenerar, estruturar a cidade e não construir mais. No fundo confrontar a ideia de "cidade em mancha de óleo" à "cidade compacta"; Por outro lado, o modelo de desenvolvimento. Parece haver uma aposta crescente na construção, nas obras públicas, no investimento público, quando se deveria apostar na exportação de bens que acrescente valor à economia, ou seja, bens transaccionáveis.

Lamenta-se, mais uma vez, que nenhum elemento da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira tenha comparecido para este debate, isto apesar do movimento XIRADANIA ter convidado para o efeito a presidente de Câmara, Maria da Luz Rosinha. Seria importante, até porque vivemos em democracia, ouvir a outra parte e discutir publicamente os pontos de vista conflituantes.

"Os Amigos do Forte" marcaram presença nesta sessão, e não podem deixar de se aliar a este movimento de contestação de mais um acto desproporcionado, errado, talvez até nulo, do executivo camarário, esperamos que ainda se vá a tempo de travar o erro urbanístico, até porque, como disse Helena Roseta, "há que destacar e maximizar aquilo que marca a diferença das nossas terras, é aí que se tem de apostar e é isso que tem de ser valorizado. Fácil é fazer igual". Acrescentaríamos nós, é fácil cometer os mesmos erros do passado e que outros cometem no presente. Exigimos, também nesta área, um futuro melhor.

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