terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Auditoria à dívida pública portuguesa: factura detalhada


Saudando o impulso cívico e a preocupação, que a ser genuína e se vier a contibutar para o esclarecimento daqueles que pagam e pagarão no futuro as dívidas, podemos apelidar de positiva.

De facto é fácil apontar culpados, sem fundamentos e estudos concretos de suporte. Existe aliás a tendência para concentrar responsabilidades no último Governo pelo estado em que o país se encontra e assim sucessiva e repetidamente. Estamos certos que caíndo o presente Governo, logo se centrariam a esmagadora maioria das responsabilidades neste executivo, esquecendo os erros do passado, construídos essencialmente no pós-revolução e adesão à comunidade europeia por diferentes actores.

É interessante emergir agora na órbita dos partidos do Governo, de forma no mínimo atabalhoada e alterando a ordem lógica racional de um processo de auditoria global, sério e responsável, a vontade de culpabilizar e criminalizar responsáveis.

Se é verdade que esse poderá ser um dos objectivos últimos, não será certamente o principal. Mais do que encontrar culpados ou bodes expiatórios, com o recurso de organismos e equipas técnicas independentes é preciso primeiro averiguar a fundo o que sucedeu, quais os erros, as omissões e eventuais crimes, ou seja, aferir da boa administração, má administração e má administração com dolo!

Sabemos da dificuldade (ou melhor da falta de vontade) que existe em Portugal teremos um processo deste tipo, limpo, certeiro, concreto, directo ao assunto, transparente e esclarecedor. Sabemos também que os normativos não dão resposta adequada à avaliação daquilo que é a boa e má administração.

Uma coisa é certa, o cidadão-contribuinte tem direito a ter acesso à factura detalhada. Tem direito a saber como chegamos aqui? Porquê? Em que condições? Quais os responsáveis? O que fica, só dívidas? O que se fez de positivo e de negativo? Quais os custos e beneficios?


Não nos alongando mais, republicamos aqui a notícia de 19 de Dezembro do Jornal i:

«Grupo de cidadãos lança movimento para auditar dívida pública portuguesa.
As cerca de 600 pessoas reunidas no sábado pretendem saber quem são os principais responsáveis da dívina nacional


Um grupo de cidadãos independentes e de pessoas ligadas ao Partido Socialista, Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda querem promover uma auditoria à dívida pública portuguesa. Os princípios orientadores desta acção foram definidos no sábado, num encontro inédito que reuniu mais de 600 pessoas em Lisboa. Entre os elementos eleitos para a direcção desta iniciativa estão nomes como Octávio Teixeira, Manuel Carvalho da Silva, José Castro Caldas, José Paupério Fernandes, Boaventura Sousa Santos, Nuno Teotónio Pereira, Ana Benavente e Adelino Gomes, numa lista de 44 pessoas.

Na base deste movimento cívico estão as várias questões sobre as razões que levaram ao endividamento de Portugal e que acabaram por originar um pedido de auxílio ao Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia. Pretendem os seus promotores determinar a origem e os valores da dívida. Saber se existe parte da dívida que é ilegítima e não deve ser paga por todos os contribuintes.

“A propaganda de matriz neoliberal promove a ideia de que a dívida pública portuguesa se ficou a dever sobretudo aos gastos com as funções sociais do Estado”, lê-se no documento saído do encontro. “No entanto, há contratos públicos pouco escrutinados, de que resulta, a prazo, maior endividamento público. É o caso de diversas Parcerias Público-Privadas (PPP), que, como indiciam relatórios do próprio Tribunal de Contas, se têm vindo a revelar gravosas para o Estado.”

O movimento descreve a auditoria que pretende fazer como externa, porque a comissão não é estatal, e independente, porque garante um muito maior grau de transparência e de prestação de contas aos cidadãos. “No entanto, não significa que ela prescinda da colaboração com instituições públicas específicas, como o Tribunal de Contas, o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público ou o Banco de Portugal”, acrescenta. “Pelo contrário: essa colaboração deve existir e deve ser estreita, já que estas instituições possuem dados e competências essenciais para levar a cabo o trabalho de auditoria. É preciso obtê-los e exigi-los.”

O movimento acusa também as autoridades nacionais de não estarem a encarar o problema da dívida na óptica dos interesses da população portuguesa. E que esse foi o motivo principal de se unirem, para promoverem um processo de auditoria cidadã à dívida pública nacional.

“A auditoria deve avaliar a complexidade do problema da dívida, calcular a sua dimensão, determinar as partes da dívida que são ilegais, ilegítimas, ou insustentáveis, e exigir a sua reestruturação e redução para níveis social e economicamente sustentáveis”, exigiram os participantes no encontro de sábado. “Este trabalho pode levar à conclusão de que há parcelas da dívida que devem ser repudiadas.”

Austeridade Para o movimento, esta palavra, ou a estratégia de “desvalorização interna”, com que o governo promete resolver de um só golpe os problemas do défice das contas públicas e das transacções com o exterior, é uma falácia.

O aumento do desemprego, induzido pela recessão, combinado com a retracção da protecção social aos desempregados, são os mecanismos que acabam por forçar a redução dos salários e retrair ainda mais a economia, pela diminuição da procura agregada. Ao contrário de recuperar as contas, a economia tenderá, segundo os subscritores, a entrar numa espécie de armadilha, quanto mais se paga a dívida, mais se deve.

Mais. No encontro foi salientado que esta estratégia ignora o risco de uma permanente derrapagem das contas públicas resultante da retracção da receita fiscal criada pela recessão. Sendo que também é “socialmente brutal e economicamente fútil”. E que no final da intervenção da troika, Portugal terá uma dívida pública maior e estará mais pobre.»

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